Jornal "O Público"
Por CRISTINA FERREIRA
Quarta-feira, 19 de Janeiro de 2005
O próximo Governo deverá aumentar os impostos ou cortar nas despesas para conter o défice orçamental e caminhar para o "equilíbrio macroeconómico", defendeu ontem a Associação para o Desenvolvimento Económico e Social (Sedes), durante uma conferência de imprensa em Lisboa que aconselha à reforma do sistema político, com a adopção de círculos uninominais.
A instituição cívica liderada por João Salgueiro lançou o repto aos candidatos às próximas eleições a apresentarem propostas concreta para resolver os problemas que condicionam o futuro do país, pois "os diagnósticos já estão feitos" e a situação que se vive "é de quase ingovernabilidade".
Para o fórum cívico de debate público, representado na conferência de imprensa por João Salgueiro, Vítor Bento, João Ferreira do Amaral, Tiago Macedo e Luís Barata, Portugal tem hoje pela frente três grandes desafios, se pretender "assegurar o seu futuro": atingir uma maior competitividade, alcançar o equilíbrio das finanças públicas, reformar o sistema político.
No documento ontem divulgado, onde faz um balanço da evolução política, económica e social registada desde Janeiro de 2002, a Sedes considera que o país tem vindo a apresentar desde aí "desequilíbrios macroeconómicos" persistentes, tendo assistido mesmo ao agravamento dos "bloqueios políticos". Portugal enfrenta hoje "a crise mais difícil de ultrapassar dos últimos 30 anos", sendo os "sinais evidentes de ingovernabilidade". A tendência é para a acção política "sucumbir ao populismo e imediatismo, com sacrifícios dos resultados mais duradouros".
Apelo ao consenso
Em Janeiro de 2002, após a demissão do governo de António Guterres, João Salgueiro veio a público chamar a atenção para o facto de Portugal correr sérios riscos de se envolver "num ciclo de empobrecimento relativo", caso os bloqueios político-sociais, os desequilíbrios macroeconómicos, a perda de competitividade da economia e a entrada em divergência real com a União Europeia persistissem. "Infelizmente", os alertas realizados há três anos "continuam actuais", disse ontem.
Os governos de coligação PSD-CDS não resolveram os problemas em matéria de sustentabilidade das finanças públicas, o que ficou expresso num défice estrutural que permanece num patamar "insustentável", sublinhou João Salgueiro. "Mexeu-se nos impostos, baixando-os, sem o correspondente esforço do lado da despesa, agravando o desequilíbrio", evidenciou Vítor Bento, para quem "no Orçamento, o governo esteve mais preocupado em cumprir formalidades do que em resolver os problemas". Para atingir o equilíbrio das finanças públicas qualquer que seja o governo que sair das eleições, terá de optar por um programa de longo prazo, com metas definidas, que contemple uma das duas soluções (ou ambas): ou cortar na despesa, ou aumentar os impostos. As "propostas para reduzir impostos não têm credibilidade", afirma Bento. A consolidação das finanças públicas é "do interesse geral da comunidade e deve ser mantido para além das mudanças de alternância democrática", razão pela qual a Sedes apela a "um consenso entre os principais partidos".
Despolitização de áreas técnicas
A Sedes destaca ainda como prioridades o combate à fraude e à evasão fiscais, mas alerta para as dificuldades que irá enfrentar nestes domínios. João Ferreira do Amaral defende "a reforma institucional no processo orçamental e da sua envolvente", apoiada na "despolitização" das áreas "técnicas", como a contabilidade, a estatística e as previsões. Classificou ainda a promessa do PS de criar mais 150 mil postos de trabalho de "difícil mas não impossível", pois "depende do crescimento económico que se verificar".
Sobre a perda de competitividade, a associação defende a criação de "um quadro estável de incentivos para a acção dos agentes económicos e desafia os partidos concorrentes à disputa do Governo a clarificarem as medidas que preconizam nesta área concreta". "A situação é tanto mais grave quanto o Estado, crescendo em dimensão, tem sido desqualificado, enfraquecido e tornado palco indevido da disputa partidária, à custa do mérito, da competência e do sentido de serviço público".
Críticas aos partidos
Os dirigentes da Sedes, representando sensibilidades políticas distintas, aproveitaram o momento para tecer criticas severas ao modo de funcionamento dos partidos, chamando a atenção, nomeadamente, para a forma como foram elaboradas as listas de deputados para a Assembleia da República.
A associação cívica defendeu a alteração do actual modelo eleitoral para ultrapassar os bloqueios políticos, pois, segundo o seu presidente, o sistema de eleição de deputados, mantém-se desde o 25 de Abril, estando já ultrapassado: "Trinta anos depois as limitações do método de Hondt estão à vista." Para o banqueiro, "teria sido desejável que já tivessem sido feitas correcções ao método eleitoral", até porque "a forma como foram elaboradas as listas de candidatos a deputados" revelou-se pouco consistente. Um debate que tem estado na agenda dos partidos, sem resultados visíveis. "Existem hoje dificuldades em responsabilizar os políticos."
Daí que Tiago Macedo tenha lembrado que os eleitores não conhecem os deputados que vão eleger, na medida em que os nomes são escolhidos pela máquina partidária. E defende um sistema de círculos uninominais que "traria de volta os bons políticos para servir o Estado". Uma ideia partilhada pelos restantes dirigentes da Sedes.
A "excessiva duração dos mandatos" de titulares de cargos políticos e o método de "financiamento" que "não são os melhores" foram igualmente alvo de criticas. "Não se pode financiar as autarquias, com base na especulação imobiliária", como se verifica, disse Salgueiro.